Henri T. Lautrec

Henri T. Lautrec
Suzanne Valadon

sexta-feira, 7 de julho de 2017

O lado onírico da vida. Parte I

Eu dirigia o carro UNO 98 com minha mãe ao lado. Eu não estava no banco do motorista, mas não-me-pergunte-como, eu dirigi e estacionei bem. Certifiquei-me que todos os gatos, gatas, cachorros e criança que eu e minha mãe cuidávamos estavam dentro do carro... Menos o Feiticeiro.

Sai do carro e me falaram que o Feiticeiro estava por ali. E o vi atravessando a rua sem olhar, num olhar reto, predestinado. Feiticeiro, minha jaguatirica interior. A pelagem era de onça pintada, mas o corpo de gato doméstico. Indomável, independente, seguro de si mesmo, sensualíssimo na pelagem, na cauda. Eu o admirei e ele pulou na sacada do primeiro andar daquele sobrado antigo. Parece que ouvi minha mãe me chamar e olhei para o lado. O gato havia se transformado numa linda mulher negra e eu continuava a chamá-la de Feiticeiro...

- Vou ficar por aqui mesmo. Já decidi. Não quero sair de Campinas.
- Mas a gente não consegue voltar logo pra cá pra te buscar.
- Vou seguir meu caminho. Estou bem aqui...

Dei um sorriso e sai... Sai do meu sonho. O carro deu lugar ao cobertor da noite fria de São Paulo, minha cidade cinza e nostálgica. São Paulo, cidade hostil que eu nasci, que me deu família, algumas oportunidades e uma vontade imensa de degustar novos lugares.

Feiticeiro, minha mulher, minha jaguatirica interior que toma decisões e apenas dá o bote.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A distopia do amor

É preciso amar a si mesmo antes de pensar em amar alguém. 
Pensar claro, verbo racional... 
E dizem que amor é só sentimento... 
Experimente amar um homem, uma mulher, um filho, Jesus, sem amar a pessoa que aparece no espelho. 
Amar assim é um sublime destempero: excesso de pimenta; sem sal... O que é cominho?
Um erro.


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Sim, foi um golpe de estado

Uma hora da manhã do dia um de setembro.
Um de abril é dia da mentira.
Um de abril de sessenta e quatro foi triste e geisel.
Um de setembro de dezesseis também é cheio de sangue.
Esse agosto que não acabava, acabou.
E não foi só agosto que acabou.
Deram golpe no tempo?
Ou me dá desgosto de temer tanto?
#Golpeirosim #foratemer

sábado, 17 de outubro de 2015

Bubu, nome que uma veterinária chamada Mônica deu - e que a família "de Carvalho Alves" assumiu de peito aberto

Dia 15 de outubro de 2010 um dos meus melhores amigos sofreu um acidente vascular cerebral. Ele mal consegue levantar e precisa de ajuda para ir ao banheiro.

Dia 22 de janeiro de 2002 foi quando ele foi pra casa. Ele cabia na minha mão. Ganhou o coração da dona Ester e do senhor André, que toparam levar ele pra casa, porque Bubu é uma máquina de beijos. Ele beijava nossa mão e agradecia nosso sorriso e acolhimento. Ele escolheu a gente, tenho certeza.

Conhecemos o Bubu num veterinário na avenida Professor Papini, na região de Interlagos, São Paulo. Ele tomou cálcio via oral, por uns dois meses. Foi o comprimido mais legal que eu já vi, porque eram umas bolinhas, e parecia divertido tomar aquilo. Ele tinha sofrido um acidente... Quebrou uma das patinhas traseiras porque uma moto pegou ele. Encheram ele de pinos (porque pegou uma parte da barriga também) mas foi uma cirurgia muito bacana porque durou todo esse tempo.

O ronco das motos sempre foi o grande medo do Bubu. Ele passou uns bons sete anos se assustando com o barulho... Quando a gente ia passear, chegava a quase pular no meu colo de susto...

Eu lembro de mim e da minha irmã brincando e correndo com ele pela casa. Como as pernas dele logo ficaram boas, a gente ficou um trio terrível. A gente corria pra lá e pra cá e atazanava o coitadinho do (Nico)Lau, nosso outro cachorrinho que se despediu de nós a uns bons anos atrás, em 2004.

O Bubu foi talvez o ser vivo que mais brincou comigo até hoje. Porque tenho 27 anos e ainda brinco com ele quando visito meus pais. A gente brincou uns 12 anos! É bastante.

Eu já confessei vários segredos pra ele; quando eu estava mais triste, ele era um dos poucos que me fazia sorrir. Uma das vezes que eu mais fiquei triste - porque o mundo daqui é muito de cabeça pra baixo - ele sentou do meu lado e me deu - literalmente - o ombro pra eu chorar... Ele ficou tão sentido por eu ameaçar ficar trancafiada no meu quarto com medo da rua que ele chegou a adoecer um pouco. Isso faz uns cinco anos eu acho. - Parei de contar porque faz mal saber quando a tristeza faz aniversário. - O veterinário disse que era o coração de Bubu. Eu acho que era tristeza também... Os cachorros tendem a dividir os sentimentos com os seres humanos...

Seu bumbum era uma hélice quando feliz. Isso sempre agradou a família. Claro que havia os momentos over, em que ele quebrava as telas de proteção das janelas que meu pai construía. Bubu achava um absurdo ficar pra fora de casa enquanto nós quatro saímos de casa.

Um dos dias mais felizes de Bubu foi quando a gente foi pra chácara de Sorocaba e o levou. O mato estava alto porque a gente estava duro pra cuidar de lá e mesmo assim ele corria. Parecia um cão selvagem no seu habitat natural. Nossa casinha sempre foi pequena e ele conseguia correr quando eu levava ele para passear e corria ao lado dele. Eu tinha sempre o receio dos carros de correr na rua... Mas para uma vida 99% urbana, até que a gente se divertiu um bocado.

Acabei de perceber que eu escrevo desde os meus doze anos e é engraçado que todo esse tempo meu amigo esteve presente.

Para um irmãozinho e alguém que a gente ama e cresceu com a gente, essa parte da despedida é realmente muito difícil de lidar. É como se a despedida não fizesse sentido. E pra falar a verdade, realmente não faz.

Eu vi ele crescer, já dormimos juntos, ensinei ele a pegar a bolinha e buscar, a pular, a imitar uma marmota - seja lá o que for uma marmota, ensinamos Bubu a gostar de gatos - E ele curtiu muito a Marilyn (minha linda tigrada que já foi pro céu de gatos), a Piu (que também já foi para o céu dos gatos) e o irmão da Piu, o Pepe - aquele gordo boêmio que ama tanto a companhia do meu pai.

A gente viu a cor caramelo do cãozinho ficar branquinha que nem neve fresca. Os bigodes brancos do Bubu são um charminho... < 3

Talvez amanhã quando eu o vá visitar, ele é capaz de sair procurando o ossinho de plástico que fazia barulho até a 6 anos atrás. O osso está quase podre, mas ele o ama mesmo assim. Não sei onde a gente vai enterrar aquele corpinho que abrigou um espírito tão amado, mas eu deixaria junto aquele pedaço podre de osso de borracha.

Vou contar a história do osso de borracha. Ele fazia parte de uma fantasia de pedrita que minha irmã tinha no primeiro colegial. Ela colocava o ossinho na cabeça e ele combinava com um colar de dentes e pedras falsos e com o vestido túnica de um ombro só estampado de oncinha.

A minha fantasia da época era muito ridícula e eu estava na minha época mais heavy metal possível. Usar uma mini saia e um mini bustiê no alto da adolescência - na escola - pode ser muito terrível. Eu não lembro se fiquei com raiva da fantasia da minha irmã ser bem mais legal que a minha (cheguei ir de pedrita numa festa na minha república durante a faculdade), ou não sei se é porque o ossinho fazia FUINNNNNNNNNNNN, que o Bubu se apaixonou por aquele osso de borracha e naquele dia em diante, depois da festa, a fantasia de pedrita perdeu o ornamento de cabelos. (Na faculdade, eu cheguei a procurar o ossinho, mas tchanã, Bubu escondeu... e eu comprei um ossinho de corinho e amarrei na cabeça; dei esse ossinho depois pro Bubu)

... Quando a veterinária disse que ele iria trocar os dentes, eu quase guardei os dentes de leite dele. Só não guardei porque ele teve uma má formação bucal e os dentinhos não caíram. Talvez isso ocorreu pela administração do cálcio em sua infância, mas sua dentição foi ok por todos esses anos...

Não podíamos descascar cenoura por perto que ele já pedia. Eu não podia comer na cozinha - que dá visão pra sala - que ele deitava olhando bem pra minha cara... Para quem sabe eu não me distraísse com qualquer coisa e o conteúdo do prato pudesse ir direto pra sua pança. Seu apelido era "Saco-sem-fundo".

A gente chamava ele de totoso também, por motivos óbvios. Sua doçura sempre foi exemplar. Nos últimos meses ele não estava escutando direito, mas quando a gente dava bronca ele bem que obedecia.

Quando levei o Thiago pela primeira vez em casa, pedi pro Bubu morder o calcanhar dele se ele não fosse com a cara do Thiago. Não sei se é porque o Thi viu vários capítulos do "encantador de cães" ou se é porque o Bubu gamou no meu namorado, que este não teve o calcanhar mordido, nunca.

Comecei esse texto dia 17/10, à meia-noite e pouco. Agora são 02h. Eu chorei por duas horas seguidas porque é um choque a morte bater à nossa porta. Porém, quando tem amor envolvido, a dona Morte vem acompanhada com a senhora Ternura, a menina Saudade e o senhor Amor, que tem sabedoria infinita. Este senhor me disse que as pessoas e os seres que amo não ficam longe pra sempre. Essa é uma verdade que tranquiliza tanto que vem vai, quanto quem fica.

Bubu, estou na fila... A gente se vê na próxima. Gratidão! Você me faz muito feliz.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Paracetamol

Paracetamole viver.

A gente que vive de comprimido pra viver,
A gente que anestesia dor com a própria dor,
A gente que pinta a pele com hematoma,
A gente que alucina com febre,


Pra gente há remédio.

Tem gente que sangra com corte de amor,
Tem gente que grita com crack à furor,
Tem gente que congela de medo ao abismo de si.
Tem gente que assiste o jornal nacional.