Ela não tinha fome nem anseios. Sua alegria era doses na veia. Aos 13 foi colocada debaixo de um caminhoneiro como pagamento da morte de alguém e desde então seguiu seu caminho infeliz.
Ela não tinha mais família nem conceitos. Mas, fumava seu cigarro enquanto analisava o pôr-do-sol.
Embriagada pela cerveja barata do bar, pelos hálitos torpes dos bêbados caídos, ela também caía. Caía nas camas sem lençóis, nos corpos enlaçados de suor e luxúria e nas calçadas, às vezes... quando a valentia ultrapassava os limites da dignidade.
Não passaria dos 22. Ela sabia. Muito magra e pálida como construções pastéis. Cabelos longos em trancinhas, uma feição de menina que agradava os homens. Não beijava na boca e seu anúncio estava colado em telefones públicos.
Ela não era pública. Do seu salário devia 30 por cento para o velho de barbas brancas e barriga gelatinosa. Ele era asqueroso e sugava esse dinheiro como também seus seios.
Vivia com outras, onde dormia de vez em nunca, tomava banho e lavava as próprias calcinhas. Amigas eram suas meias não furadas, os sapatos brilhantes que não doloriam os pés e a maquiagem pesada, que pesava mesmo era na existência.
A noite era sua alforria. Os lábios contorciam em sorrisos, as pernas tremiam e a respiração se refazia. Vendia seu sexo em troca de mais. Se parava de pensar sobre, a agulha penetrava-lhe, como uma imensa dose de apatia e bem-estar.
Se o vento lhe provocasse a nudez, arrumava a saia, porque sabia que a simulação era mais provocativa e sensual. Ela simulava sua vida, como um sonho e permanecia nele assim, sempre a alcançá-lo.
"Para não ser um desses escravos martirizados pelo Tempo, embebede-se, embebede-se sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha." C. Baudelaire.
Henri T. Lautrec

Suzanne Valadon
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quarta-feira, 17 de setembro de 2008
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Parábola do Velho do Tempo
“Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha de estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas –
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia no mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
(...)
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica,
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
“Se é que ele as criou, do que duvido” –
“Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.”
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa”
Oitavo poema do Guardador de Rebanhos, do Alberto Caeiro,
O mestre que me ensinou o quão é importante guardar o rebanho, os pensamentos que pernoitam nossas mentes
Parábola do Velho do Tempo
Certa vez um velho senhor sentou ao meu lado, num canto do banco daquela praça e me disse com aqueles olhos exprimidos pelo Tempo:
Vai-te. Levanta-te desta madeira que a chuva carcome. Algum dia o Sol irá raiar e vai te chamar para senti-lo e em vez de levantar para vê-lo, você estará sentado.
Vai-te! Levanta que tua hora chegou. É tempo de erguer a cabeça e movimentar as pernas, usar as mãos para nadar, porque chove tanto que a água inundou teu caminho. Você nada, nada, quase se afoga e no final da linha, no horizonte, tem um barco. Cada braçada tua é um galinho de madeira que foi se colando. Nade bastante porque lá no final teu barco estará pronto e só assim você poderá retornar.
Vai-te! O que esperas? Esperas que a Lua caia sobre tua cabeça? O homem anda construindo escadas metafóricas para chegar a Lua. E cadê ela? Ela está te olhando e analisando teus passos... Cuidado com cada degrau. Não suba nem desça sem pensar antes, você pode tropeçar e cair até o primeiro degrau e terá que subir tudo de novo. E se cair?
Vai-te! Levant-te que cada caída é uma caída diferente e cada subida é uma subida diferente. Não te digo o óbvio, só os profetas enxergam o óbvio. Digo-te para levantar e não desistir. Você pode pensar em desistir, mas não por muito tempo. Você tem que prosseguir teu nado, senão te afogas pela própria vaidade.
Vai-te.
E o velho pegou seu cajado e bateu de leve na minha cabeça. Neste momento um eclipse solar aconteceu e chuva caiu na minha cabeça. Não era uma nuvenzinha negra não... Era a vida.
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