Henri T. Lautrec

Henri T. Lautrec
Suzanne Valadon

terça-feira, 8 de julho de 2014

Paracetamol

Paracetamole viver.

A gente que vive de comprimido pra viver,
A gente que anestesia dor com a própria dor,
A gente que pinta a pele com hematoma,
A gente que alucina com febre,


Pra gente há remédio.

Tem gente que sangra com corte de amor,
Tem gente que grita com crack à furor,
Tem gente que congela de medo ao abismo de si.
Tem gente que assiste o jornal nacional.

Pestilento VII

- Me dê uma carona para o inferno?
Estava silêncio em seu quarto. Até que é bacana falar sozinho e ele sacudiu o travesseiro e dormiu tranquilamente.

O inferno parecia sossegado, cheio de penas de ganso morto e janelas quebradas. O inferno de sua mente não pedia licença nem cuidado. Obrigado. De nada. Obrigado. De nada. Obrigado. Obrigado. Obrigado sempre a ser educado. Que grande inferno ser intimado às boas maneiras por toda vida. Por toda maldita vida, viver na linha. Na linha do abismo de ser um nada inútil e ser aquele gentleman que atravessa a rua olhando para os dois lados.

sábado, 28 de junho de 2014

PESTILENTO VI

Olá. Meus passos têm defeitos. Acordo com remela e sem meios de levantar. Preguiça. Tenho preguiça. E esta é a fôrma de personalidade de quem se arrasta, réptil qualquer que é mais caça do que caçador.

Caio da cama após ter capotado horas antes. Alguns comprimidos julguei serem bom estímulo para dormir - pena não existirem os estímulos anti-monotonia.

Nada na geladeira. Sem água filtrada. Sem moedas perdidas nem anciosas para serem gastas. Deveria arranjar um emprego, embora meu desejo é apenas ter grana e não me sujeitar àquelas fábricas imundas.

Este cantinho é o que me restou. Herança daquela família de merda que me rejeitou, por causa da minha tosse contínua e sanguinolenta. Eh, não me davam mais que 20 anos e já tenho 21. Não tenho água, luz ou telefone, mas tenho 21 anos. Queriam-me morto e satisfeito como um burguês diante a farta mesa de natal. Não nasci para a conformidade, embora permaneça na clausura destas paredes mofadas. Não quero sentir o mofo permanente das pessoas lá de fora.

Quanto tempo estou aqui não sei. E é alegre não sentir o peso temporal nos ombros, a horrível inércia de se estar na iminência do atraso.

Falo, falo e tenho consciência de que meu estado é permanente. É outono... O vento passa e arrasta as folhas. Eu permaneço.

Aqui não há brisa, não há vento. Há um ser que respira e que logo pode livrar-se desta tarefa persistente.

Abri a janela. Eh, tem um mundinho lá fora.