Henri T. Lautrec

Henri T. Lautrec
Suzanne Valadon

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Parábola do Velho do Tempo

“Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha de estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.

O seu pai era duas pessoas –
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia no mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

(...)

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica,
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
“Se é que ele as criou, do que duvido” –
“Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.”
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa”

Oitavo poema do Guardador de Rebanhos, do Alberto Caeiro,
O mestre que me ensinou o quão é importante guardar o rebanho, os pensamentos que pernoitam nossas mentes


Parábola do Velho do Tempo

Certa vez um velho senhor sentou ao meu lado, num canto do banco daquela praça e me disse com aqueles olhos exprimidos pelo Tempo:

Vai-te. Levanta-te desta madeira que a chuva carcome. Algum dia o Sol irá raiar e vai te chamar para senti-lo e em vez de levantar para vê-lo, você estará sentado.

Vai-te! Levanta que tua hora chegou. É tempo de erguer a cabeça e movimentar as pernas, usar as mãos para nadar, porque chove tanto que a água inundou teu caminho. Você nada, nada, quase se afoga e no final da linha, no horizonte, tem um barco. Cada braçada tua é um galinho de madeira que foi se colando. Nade bastante porque lá no final teu barco estará pronto e só assim você poderá retornar.

Vai-te! O que esperas? Esperas que a Lua caia sobre tua cabeça? O homem anda construindo escadas metafóricas para chegar a Lua. E cadê ela? Ela está te olhando e analisando teus passos... Cuidado com cada degrau. Não suba nem desça sem pensar antes, você pode tropeçar e cair até o primeiro degrau e terá que subir tudo de novo. E se cair?

Vai-te! Levant-te que cada caída é uma caída diferente e cada subida é uma subida diferente. Não te digo o óbvio, só os profetas enxergam o óbvio. Digo-te para levantar e não desistir. Você pode pensar em desistir, mas não por muito tempo. Você tem que prosseguir teu nado, senão te afogas pela própria vaidade.

Vai-te.

E o velho pegou seu cajado e bateu de leve na minha cabeça. Neste momento um eclipse solar aconteceu e chuva caiu na minha cabeça. Não era uma nuvenzinha negra não... Era a vida.

Um comentário:

  1. Titaaa... Mais uma prova da sua incrível sensibilidade!!!
    Espero que eu não precise de um cajado em minha cabeça pra perceber que a vida está batendo à porta.

    Beijoka!

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