Henri T. Lautrec

Henri T. Lautrec
Suzanne Valadon

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pestilento I

O pestilento

Vivo na fina lembrança de uma memória já finda. Um outono de merda, calor todo o dia. Livros empilhados, rabiscos em notas engorduradas e uma tigela com ração já com formigas.
Saí, mas era noite e o ar lúgubre me fez mal. Muita fumaça daquela gente pestilenta e torpor do cafézinho lá da esquina.
Tive náusea com a mulher de pele branca que me serviu; ojeriza com as cadeiras mal postas e certa identificação com o banheiro, água estagnada cheirando a usado.
Na rua as vadias não me largavam o saco e tive que deixá-las na penumbra triste do consolo "n'outra hora".
Não tenho mais dentes. Não sou casado. minha cadela morreu. Minha televisão pifou. Não lembro mais a ordem destes fatos, nem quando, nem como aconteceram... Tem certas coisas que não valem mesmo a pena serem lembradas.
Lixo pela sala. Lixo as unhas e há pedaços de carne moída pelo tapete, agora. A cerveja caiu também no tecido. Tudo bem, ela estava quente.
Amanhã eu vou comprar ração para Billie. Billie é minha cadela. Amanhã eu vou comprar flores para Vera. Sou desconexo. Não tenho mais o endereço de Vera. Gostaria de flores pra mim, afinal.
Mamãe teria orgulho se ainda tivesse minhas cadelas. Meu pai estaria na guerra e eu já estou na minha. EuXeu. Estou aqui buscando o vácuo.
Os bêbados têm simpatia por mim. Deve ser meu casaco cheio de caspas. Deve ser porque sou um deles. Eles pedem meu cigarro e compartilho sempre. Se o fogo acaba, há um jeito. Os bêbados de vida, na verdade, nunca se reconhecem. Não sou um deles. E, se fosse, acho digno.
Dormi no sofá. A cama já era meio lençol cinza-amarronzado e era o cabide ideal, o closet exposto, servil e lotado. Ela tinha vida própria, mandou-me dormir no sofá. Eu não cabia ali. Ela tinha vida própria. Eu ja não tenho a minha.
Perdi meu emprego, eu acho. Não apareço há um mês. As cartas não leio. Telefone cortado. Constipado, pego um lenço. Caiu na sarjeta, pela janela. Ótimo, falaram-me para tomar cuidado com as calçadas. Não dei ouvidos. Não dei nada e meus bolsos ainda estão vazios.

O pestilento.

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